Escute o cliente. E o que o cliente escuta, também
Que o Spotify facilitou e popularizou o consumo de música, todo mundo já sabe. Mas o potencial da plataforma de streaming de música mais famosa do mundo vai além do que sentimos como consumidores.
O Spotify tem potencial e inteligência para entender seu usuários a partir do que consumimos na plataforma. Exemplo disso são as recomendações geradas através do que costumamos ouvir e os reports musicais no fim do ano. Ou seja, estamos o tempo todo dizendo pro Spotify o que sentimos e o que somos, a partir do que estamos ouvindo.
Sobre o Streaming
Para contextualizar um pouco, o modelo de consumo multimídia via streaming, diferente do download tradicional, baseia-se na constante recepção de conteúdo durante a reprodução (em tradução livre, streaming significa corrente).
Sendo assim, o consumidor tem acesso ao conteúdo e não a posse dele. Lançado em 2008 por uma start up Suíça, a Spotify AB, o serviço de música Spotify tem dois modelos: o freemium, que disponibiliza acesso gratuito e ilimitado ao conteúdo da plataforma, porém com intervalos publicitários. E o premium, que por uma assinatura fixa com cobrança mensal, garante o acesso livre de publicidade, com qualidade técnica e de mídia superiores e, também, a possibilidade de downloads para reprodução off-line.
O streaming tem se popularizado cada vez mais. Em 2015, as receitas com esse modelo de consumo fonográfico aumentaram 45%, fazendo com que a receita global de música subisse 3,2%, um grande avanço após duas décadas de declínio quase ininterrupto (IFPI, 2016).
Isso se deve ao fato do streaming dialogar com o conceito mobile, ou seja, a música pode ir aonde você for, e a possibilidade da personalização e compartilhamento de playlists. Esses dois últimos fatores são decisivos na hora de se tratar do sucesso desse novo modelo, uma vez que Pierre Lévy, filosofo que conceituou o termo “cibercultura”, define as comunidades virtuais como um dos principais pilares da cibercultura, que “são construídas sobre afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos, em um processo mútuo de cooperação e troca”.
O Spotify
O Spotify apresenta inúmeras facilidades não só aos seus usuários, mas também a anunciantes, uma vez que a receita publicitária associada ao streaming de música chega hoje a USD 1,5 bilhão, e a expectativa é que esse número alcance USD 7 bilhões em 2030, segundo o estudo realizado pelo Goldman Sachs Group (Music in the air, 2016).
Além disso, os ouvintes tendem a gostar mais de anúncios de áudio, que são lembrados 24% mais do que os anúncios de display, e têm 2x mais probabilidade de aumentar a intenção de compra, segundo Nilsen Media Lab Study.
O Spotify também oferece às empresas diversas maneiras de atingir o target, podendo escolher por playlist, a fim de atingir o consumidor por determinada atividade ou humor específico, gênero musical e demograficamente, uma vez que a plataforma possui dados como idade, região, língua e comportamento. Além de fornecer, também, o melhor horário para atingir o público alvo.
O foco deste breve artigo, entretanto, não são as facilidades fornecidas pelo Spotify aos anunciantes, mas sim como o estudo comportamental da plataforma pode beneficiar qualquer empresa através de sua métricas. Com o intuito de divulgar o potencial da sua base de dados, o Spotify lançou, no final de 2016, sua maior campanha global.
Os anúncios apresentavam alguns dados de seus usuários, sem divulgar a identidade. Um desses, por exemplo, contava que no Dia dos Namorados, um usuário escutou a música “Sorry”, do Justin Bieber, 42 vezes. Com isso, podemos dizer que o usuário em questão traduziu um sentimento através da música. Estudos mostram que as pessoas tendem a usar a música para regular seu humor e emoções mais do que para qualquer outro motivo. E com o streaming é mais fácil de fazer isso.
Amy Belfi, um neurocientista cognitivo, diz que existe uma forte ligação entre música e experiência, e que ela pode nos lembrar de um momento específico e trazer de volta as emoções que sentimos. Sendo assim, o streaming de música tem o papel de traduzir o que os usuários sentem, revelando insights dos consumidores, capaz de entender não apenas os hábitos, mas, também, as emoções.
Com isso, ao invés de se conectar com o público-alvo por meio de dados demográficos, as empresas terão a oportunidade de se aproximar de maneira mais profunda, entendendo a maneira que o consumidor se comporta e o que ele sente.
Consumo
Com o intuito de compreender melhor as possibilidades de utilização desse tipo de métrica para o consumo, é preciso uma contextualização do assunto. Em seu livro Vida para Consumo, Bauman classifica o consumo como “parte permanente e integral de todas as formas de vida”, enquanto o consumismo é “um atributo da sociedade”.
Sendo assim, podemos dizer que consumo assume lugar primordial na vida cotidiana, comunicando quem somos através de um sistema de significados, uma vez que, por meio do consumo, traduzimos muitas de nossas relações sociais. Alguns autores, entre eles McCracken, tem a perspectiva do consumo como construção identitária e definidor de mapas culturais.
Para a melhor compreensão deste estudo, portanto, é necessário transcender o conceito estigmatizado de consumo, o senso comum de que ele resulta na perda de autenticidade das relações sociais, materialismo e superficialidade.
Em seu livro Sociedade de Consumo, Lívia Barbosa fala de mudanças históricas na forma de consumo, sendo elas “a passagem do consumo familiar para o consumo individual e a transformação do consumo de pátina para ao consumo da moda”.
Sendo assim, assumindo que o consumo se tornou individual, no sentido de que objetos e mercadorias são signos culturais, podemos dizer que a música tem papel primordial diante dessa sociedade de consumo.
Uma vez que há tempos existem grupos culturais diferenciados pelo gênero musical, que consomem de uma maneira a fim de comunicar um significado. Podemos, claramente, por exemplo, dizer quem são os ouvintes de Punks, Heavy Metal e Disco através de signos adquiridos por meio do consumo.
O consumo da cultura de massa se registra, em sua maioria, no lazer. Isso se deve a inúmeros fatores, como, por exemplo, a redução da jornada de trabalho em função das normas trabalhista.
Além disso, tempo livre foi direcionado ao consumo e ao lazer, não mais, exclusivamente, ao descanso físico nervoso e participações em atividades familiares. Essa nova prática resulta, também, em uma filosofia de que não basta viver a experiência, mas necessita de uma evidência física.
Nesse contexto, a lógica de consumo traduzida pela música ganha relevância, uma vez que não basta ouvir um gênero ou uma banda, é necessário, também, transmitir através de signos que o faz.
No momento atual, com a democratização de informação em função da cibercultura, o conhecimento a respeito de música e seus grupos tem sido mais acessível e compartilhado. Nesse contexto, entende-se cibercultura como a junção de conhecimento, hábitos e discursos (sociais, políticos, econômicos, históricos e artísticos) que tem como princípios básicos a libertação do polo da emissão da informação, o crescimento da conexão aberta e planetária, e a reconfiguração de práticas associadas à indústria de massa.
A cibercultura, como toda cultura, deriva de processos dinâmicos, nasce das dimensões sociais e técnicas existentes no contexto histórico de seu desenvolvimento. Ela se estabelece a partir do conceito de ciberespaço, que é uma construção coletiva e interativa, que segue suas próprias regras. Esse espaço vem abrindo, cada vez mais, a possibilidade de ser utilizado também como mídia de massa. A partir do momento que os fornecedores de entretenimento do ciberespaço também possuem interesses mercadológicos.
Dito (tudo) isso
Podemos concluir, então, que é possível a utilização de dados relacionados a música para entendimento do cliente, a partir do momento que o Spotify, ao mesmo tempo que gera valor aos usuários, gera métricas capazes de analisar comportamentos, emoções e preferências com dados espontâneos e autênticos.
Além disso, uma vez que a música, uma linguagem universal que perdura desde a antiguidade, dialoga com o conceito de globalização e ao mesmo tempo de personalização, o entendimento do consumidor se torna mais fácil, uma vez que ele tem acesso a conteúdo do mundo inteiro e pode criar seu próprio padrão musical a partir dele. Sendo possível, portanto, a compreensão de uma lógica de consumo, embasada na música, em determinados grupos, tudo em função do inconsciente coletivo.
Leia também: Fale com seu público – literalmente -, valendo-se do áudio marketing
Fernando é UX Designer e trabalha no entendimento do comportamento, necessidades e motivações do usuário. Trabalhou por três anos no Itaú Unibanco e atualmente está no Grupo Boticário. Atuando em duas das maiores empresas do Brasil, já entregou soluções para e-commerces, sites institucionais, inteligência artificial e produtos digitais. Além disso, é apaixonado pela arte de contar histórias.