Como será o comportamento do brasileiro após a covid?

Mais racionalidade e maior apego a valores: teremos mesmo isso em nosso dia a dia após a pandemia?

De maneira quase unânime, analistas e estudiosos do comportamento humano e do consumo creem que, mesmo afrouxadas as regras de distanciamento social impostas pelo coronavírus, as pessoas passarão a ponderar mais suas escolhas e prioridades, em praticamente todas as vertentes de sua vida: nas atividades cotidianas, nos relacionamentos pessoais, nas questões profissionais, no consumo.

Diversos fatores justificam tal previsão; entre elas, estão as reflexões mais intensas, próprias de um confinamento, e as incertezas e inseguranças geradas pela pandemia.

À primeira vista, são justificativas convincentes. Mas um mundo com pessoas mais racionais e ponderadas é apenas uma probabilidade (ou mesmo uma possibilidade entre inúmeras outras). O ser humano é sempre imprevisível, e pelo menos desde que Freud nos presenteou com as teorias de psicanálise sabe-se ser impossível antever como ele se comportará, até porque o pensamento racional é apenas a vertente aparente de uma estrutura mental muito mais complexa e profunda.

Para perceber de maneira nítida esse embate entre racionalidade, desejos e instintos, inerente aos seres humanos, basta lembrar das grandes aglomerações que surgiram quando qualquer cidade anunciava a abertura de bares, shopping centers, ruas de comércio popular. Dá para explicar esse comportamento de maneira racional e lógica quando as informações científicas garantiam a importância do isolamento social, e com as próprias pesquisas de opinião afirmando o apoio da população a esse isolamento? Por isso, é preciso ter um olhar integral sobre o comportamento humano.

Otimista, apesar de tudo

No quesito ‘consumo’, o próprio senso comum parece porém prenunciar um grau maior de racionalidade. Em alguma dose, por considerações psicológicas; mas, certamente, também por razões e preocupações bem materiais: afinal, as pessoas devem estar cientes das dificuldades atuais e futuras de nossa economia, e muitas delas terão menor disponibilidade de renda (quando não estiverem desempregadas).

E essa pressuposição é referendada por diversas pesquisas que mostram que, ao menos nos primeiros momentos pós-pandemia, os brasileiros concentrarão seus recursos nos produtos e serviços mais essenciais, especialmente naqueles destinados a uso próprio ou doméstico. Serão mais seletivos em suas compras, relegando a plano secundário o consumo de supérfluos.

Mas, de certo modo, essa possível racionalidade pode ser algo suavizada pelas informações de pesquisas que informam que, mesmo cientes das dificuldades da economia do país, e impedidos até de hábitos corriqueiros – como os contatos pessoais e a movimentação pelas ruas -, os brasileiros mostram-se otimistas quando avaliam seu futuro mais imediato.

É o caso de uma pesquisa da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), que abrangeu a chamada ‘popularizaçao bancarizada’ (ou seja, quem tem conta em banco). Ela foi feita quando as atividades econômicas já começavam a ser reabertas em grandes cidades brasileiras, e quase metade de seus entrevistados previu que suas finanças voltarão aos níveis pré-pandemia no máximo em um ano; para 21%, isso acontecerá em até seis meses.

Digital, mas saudoso do físico

Após o afrouxamento das restrições impostas pela covid-19, também parece quase certo o uso ainda mais intenso dos canais digitais, que desde o início da pandemia passaram a ser utilizados em escala muito mais ampla, para a maioria das atividades: compras, contatos diários – pessoais e profissionais -, realização de tarefas, acesso a entretenimento e informações, entre outras.

Mas é bom lembrar que o varejo físico tem ainda um charme que pode até ter sido revalorizado no isolamento imposto pela pandemia; não apenas como local de compra, mas também como ambiente de contato e de sensações mais físicas.

A simples ida a um supermercado, por exemplo, antes encarada como mera rotina, agora pode constituir a satisfação um desejo. Em estudo da empresa de pesquisa HSR Specialist Researchers, é inclusive citada, juntamente com outras ações muito triviais – como andar de táxi ou de carro de aplicativo -, como uma das prioridades dos brasileiros para o período imediatamente posterior ao isolamento.

Certamente, cresceu o apelo do e-commerce durante a pandemia, e essa modalidade de compras deve ser crescentemente utilizada. Mas o próprio afluxo de grandes quantidades de pessoas a qualquer ambiente comercial que reabria suas portas revela ser ainda importante, para muita gente, tocar, sentir o cheiro, experimentar, conversar com os vendedores, antes de comprar.

O consumidor no centro

A pretensa maior racionalidade das pessoas no futuro pós-pandemia também pode ser amenizada por um componente que, na falta de melhor, definição, pode ser qualificado como ‘maior atenção a valores subjetivos’, como afetos e sentimentos.

Confinada em casa, muita gente relatou a saudade e a redescoberta do valor dos relacionamentos pessoais e físicos, e garantiu desde então conferiria maior importância a gestos e atitudes pouco antes olhados de maneira quase indiferente, como um abraço ou um aperto de mão.

É difícil, obviamente, avaliar com exatidão qual será a profundidade e a duração dessas várias influências, e das respectivas proposições de mudança. Mas a dramática experiência da pandemia certamente terá impactos no comportamento dos brasileiros (e provavelmente dos habitantes de qualquer país).

Pode-se, no mínimo, pressupor um consumidor ainda mais complexo, que assim como apela para os modernos recursos tecnológicos, e tentará ser mais racional, estará mais atento a sentimentos e gestos íntimos e pessoais, mesmo aparentemente triviais.

Quem quiser comunicar-se com esse consumidor precisará, mais que nunca, ouvi-lo atentamente, buscando entender suas necessidades e conhecer sua jornada. E deverá criar uma experiência envolvente e completa, onde os canais digitais serão indispensáveis, mas que talvez não possa abrir mão de iniciativas que possibilitem acesso aos revalorizados contatos pessoais.

E não será possível eximir-se de uma atitude mais engajada nas questões de interesse desse consumidor, bem como uma comunicação personalizada, que poderá fazer a diferença no processo de decisão sobre a compra e o relacionamento com uma marca.

Leia também: O que não muda no pós-Covid. O bom e o velho normal.

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